sexta-feira, 23 de março de 2012

Pus o blog a navegar.

Como ponto de partida, este blog começou encalhado, barco sem remos, está ainda na fase de estruturação para se pôr a andar, mas este primeiro post é o arranque que o vai fazer chegar à água.

Escrevo estas palavras baseando-me precisamente nesse ponto de partida, um caso local que me despertou algum interesse, e que acabou por resultar em divagações avulsas. Esse evento dá nome a este blog, refiro-me à nova igreja construída no Restelo cujo aspecto fez virar bastantes cabeças, incluindo a minha, que neste momento já se desvirou, olhando agora para outras direcções igualmente interessantes.

Quando foi lançado e tornado público o novo projecto do arquitecto Troufa Real para a construção de uma nova igreja no Restelo com um formato fora do convencional muitas pessoas não podiam acreditar tratar-se de algo sério: uma igreja-caravela que parecia ser totalmente imponderada, com cores vivas e um mastro que se planeava ter 100m de altura e com estruturas a imitar ondas na sua base. Este projecto bastante conturbado ganhou ainda mais inimigos quando foi divulgado pelo facebook através da criação de um grupo que se opunha à sua construção, hoje com mais de 4500 membros.

Apesar de todos os protestos, esta igreja cujo conceito foi lançado nos anos 90 foi levada adiante em 2009, e a sua construção foi concluída em Dezembro de 2011, ironicamente, há outra do mesmo arquitecto que causou desagrado (embora menos) e que se situa ao lado do Dolcevita de Miraflores: a igreja-foguetão (ou a igreja-supositório como é chamada).

Projecto concluído da nova igreja do Restelo, a igreja-caravela
Estrutura da nova igreja de Miraflores, igreja-foguetão, as obras estão paradas
Depois de ter criticado como tantos outros a forma/aparência deste local de culto, apercebi-me que tal acontecimento podia suscitar questões de índoles diversas, entre as quais as mais óbvias e inconvenientes, relativas a custos, materiais, e também ao contexto urbano em que esta estrutura se insere, um ponto que parece ter sido descurado.

Mas é possível aprofundar um pouco mais. A religião é sempre um assunto sensível e não é o meu intuito mergulhar nesse mar de cabeça, mas roçar alguns problemas que possam passar também pelo design, e pela adequação da forma à função, que neste caso se evidenciou pela indignação dos crentes (e não crentes) que descreveram o projecto com uma panóplia de termos desagradáveis (aborto, vómito, carro alegórico de carnaval, mamarracho, só  para enumerar alguns).

Quando pensamos num local de culto, há uma ideia paradigmática que temos do seu aspecto, algo mais virado para o tradicional, o que é bastante peculiar mas que no caso presente foi transgredido, tornando-se até ofensivo por ser demasiado vanguardista.

Mas tal como as sociedades, os edifícios e o urbanismo, as igrejas e outros locais semelhantes também evoluem e progridem, e têm assim de se adaptar aos dias de hoje. Por mais magnânima que seja a igreja do Mosteiro dos Jerónimos, não podemos para sempre seguir modelos semelhantes, a época é outra, as mentalidades também, forma e função têm de se adaptar aos dias que correm, e ao local onde se inserem, mais do que pensar no aspecto, há que entender para que servem estes locais e tentar fazer essa transição para a contemporaneidade da melhor maneira possível.

Qual o futuro para os locais de culto relativamente à forma que têm e à função que desempenham? Como evoluiu essa função ao longo dos tempos? Como pode algo formal, a materialização de um projecto, ofender a este ponto, não passando de um conjunto de formas e cores? Será possível representar as religiões materialmente? Não poderá haver uma outra visão inovadora dos espaços de culto? 


Mais questões surgirão, como tudo, a outra margem está longe, começo agora a navegar.