sábado, 21 de abril de 2012

(Espaço) - /Forma\ - Função!

Form ever follows function. [1]

Esta conhecida frase foi dita pela primeira vez pelo arquitecto Louis Sullivan, mas aparece muitas vezes atribuída a outro arquitecto e sem a partícula conectora “ever”. [1]

Começo com ela este novo tema, não por considerar que seja uma verdade absoluta, mas porque acho que é a frase que mais sucintamente liga as duas coisas que quero abordar. A relação íntima entre a forma e a função dos objectos foi durante algum tempo linha guia para designers e arquitectos, o melhor e maior exemplo é a Natureza, nada é feito por acaso, no entanto, esta relação está a ser posta em causa pela arquitectura contemporânea (já para não falar do design): nem sempre forma segue função, forma não necessita obrigatoriamente de seguir função ou função segue a forma. 

Embora esta pergunta tenha dado azo a que se formassem dois grupos de opiniões divergentes, a soma das respostas continua a rondar os tons de cinzento. Tal significa que as palavras de Sullivan não servem para argumentar contra a obra de Troufa Real, que claramente dá primazia à forma, tal significa que, com a evolução das coisas, outros valores surgiram, quando toca ao ser-humano há a questão do gosto, o cumprimento da função deixou de valer por si só e o estilo passou a ter um papel preponderante, terá passado a função para segundo plano?

Functional design, despite its absolute simplicity, has been losing value by then. How come? How can a concrete formula like “form follows function” be morphed to “function follows form” without being misunderstood or made fun of? As a result of this, designers perceived functionality as a movement. Moving from “function” to “functionality” and from “attitude towards design” to “style” is worth evaluating. What do they mean when people say “This is pure Baroque” or “This is a real Biedermeier”? Do they mean that these include everything except functionality? Or do they mean design is not only functional but also decorative? “Functionality” started to develop from a point where “function” is the major issue. Then it was developed to a pure movement by architects and designers. [2]

Uma coisa é certa: form ever follows function já não tem a pertinência que tinha. O problema é se, no caso de arquitectura, os projectos começam não a ser uma preocupação com aqueles que os vão frequentar mas sim uma espécie de concurso “olha para mim e vê o que eu sei fazer”. Uma forma de ostentação de trabalho ou mais um projecto para o portefólio.

I think the word “cool” has replaced the word “content”. if you have enough attitude in your work, if it’s cool enough, then it doesn’t matter that there’s no content. [3]

Olhando para os edifícios dos dias de hoje, é difícil dizer para que servem. No caso de habitação conseguimos identificar uma casa como um local para viver mas, devido à mixórdia de estilos, é difícil dizer, quando procuramos um espaço comum ou serviço, o que é o quê, sem ter à porta alguns símbolos chave que nos auxiliem, sinalética ou o nome daquilo que lá podemos encontrar. Se lhes tirarmos essas indicações, então podem ser qualquer coisa e aquele local que pretende passar a mensagem de local de culto acaba por nos indicar algo diferente [4]. Contudo, parece-me inevitável que o paradigma não se mantenha formalmente idêntico e tenha de haver um período de adaptação das pessoas ainda que, se nos disserem no meio do Chiado que há uma igreja perto, automaticamente procuramos uma ideia feita, a noção que temos de igreja, e não um barco com um mastro gigante, ou seja, a nossa mente de um certo modo ainda é um pouco conservadora nesse aspecto.

Estou disposta a encarar um projecto como o de Troufa Real como algo que poderá a vir tornar-se “menos mau”, mas não há dúvidas que esta estrutura e outras do género têm coisas objectivamente más, o facto de negligenciarem completamente tudo o que está para além do aspecto exterior, o facto de negligenciarem a situação actual de crise (em todos os sentidos) em que vivemos, quer a nível nacional quer a nível global. Decididamente o factor “cool” tem uma ponderação superior à que deveria ter. Uma estrutura planeada para ter cerca de 100m é capaz de marcar diferença por ser a primeira igreja nacional (e talvez mundial) do género, mas o que é que se perde em favor desta ostentação? 

Até agora esta obra custou três milhões de euros. [5] O custo final compreende também a segunda fase da construção (torre e centro social) e estima-se ficar entre sete a nove milhões de euros, sendo que uma parte do dinheiro vem da carteira dos contribuintes e futuros frequentadores do espaço. [6] Toda esta quantia utilizada para florear um edifício poderia bem estar na sua posse e ser usada para fins humanitários ou ambientais. 

As estruturas são feitas para as pessoas e, como tal, devem ser construídas a pensar nestas mesmas. Será possível serem tomadas decisões assim tão imponderadas, cuja escolha parece tão óbvia, entre fazer uma torre rodar como “a hélice do ADN” (valores de ostentação) e usar esse dinheiro para ajudar alguém, nem que seja uma só pessoa (valores sociais).

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[1] RAWSTHORN, Alice - The Demise of "Form Follows Function" in The New York Times, 2009.
[2] RAMS, Dieter - Entrevista (www.designtrophy.com), 2001
[3] KALMAN, Tibor - Social Responsability (entrevista por Steven Heller), 1998.
[4] RANDALL, Smith - Don't Blame Vatican II: Modernism and Modern Catholic Church Architecture in Sacred Architecture, Issue 13, 2007.
[5] Informação tirada do site da igreja (www.paroquiasfxavier.org).
[6] HENRIQUES, Ana - Lisboa inaugura a polémica igreja-caravela do Restelo in Público, 2011.

quinta-feira, 12 de abril de 2012

O Conceito de Espaço e (+).

Todos os rituais humanos pressupõem um cenário. Mais: a ausência de um cenário impossibilita o desempenho desses rituais. [1]

Antes de mais, a barca teria de aportar primeiro neste conceito: espaço. Espaço que nos rodeia e que cumpre as funções para as quais é destinado, ou melhor ainda, nós cumprimos as funções, o espaço apenas está, existe por si. Diferentes fases da nossa vida requerem diferentes espaços, diferentes momentos do nosso dia acontecem em lugares variados. Há um espaço de estar, um espaço de refeição, um espaço onde os diálogos se estabelecem, um espaço para meditar, um espaço para contemplar as pessoas e imaginar as suas vidas. Há espaços que compreendem várias destas acções. O que é que se pode dizer sobre o espaço? O que é que nos diz o espaço sobre si mesmo?

Nas minhas pesquisas em torno de igrejas deparei-me precisamente com a última questão, uma das preocupações da arquitectura é existirem edifícios que pela sua aparência nada nos dizem sobre a sua função, outra das preocupações da actualidade é a construção de locais de culto respeitando o simbolismo a eles inerente, não ofendendo aqueles que o frequentam mas ao mesmo tempo actualizando o espaço para algo que faça sentido inserido no contexto moderno.

Ainda assim, que identidade(s) tem o lugar sagrado? Será que essa identidade é diferente de religião para religião, de lugar para lugar, de época para época? Será que para o judeu - a quem Deus falou primeiro - a identidade da sinagoga é substancialmente diversa da igreja do católico - onde o Filho de Deus mora efectivamente em carne, queremos dizer: vivo? Terá a mesquita do muçulmano - que reconhece o Criador e guarda a fé de Abraão e de Moisés - a mesma identidade da igreja do protestante - que acredita em Cristo mas para quem a Eucaristia é uma metáfora? [1]

Mas o objecto arquitectónico tem mais do que uma dimensão formal, embora seja esta com a qual contactamos primeiro. Como já referido, este vive da utilização que o próprio ser-humano faz dele. Mas se assim o é, porque é que a aparência dá azo a tanta discussão, quando no fundo a espiritualidade parte de cada um de nós? Tal como uma imagem não é somente uma imagem [3], uma forma tem um simbolismo a ela associado, não é apenas uma forma, e esse simbolismo acaba por resumir culturas/cultos/povos, muitas vezes funcionando como uma espécie de estereótipo aprovado.

A place also provides the opportunity to participate in a collective expression as we come to know what it means to be part of a larger territory. There is a connectedness, which we often describe as a sense of place, whose meaning and authenticity flow from relationships between a culture, time and locale. We value the distinctiveness of places that emerge out of such circumstances. [2]

Valorizamos certas formas distintas porque nos identificamos com elas, porque já as reconhecemos de um outro contexto, fazemos associações, mas mesmo assim, a essência do espaço continua a depender das pessoas que o habitam, cada vez mais este está idealizado como uma indústria produtora de “espaços em massa” semelhantes entre si, o que cada um retira deles é uma experiência única, não apenas dependente do sítio mas do que se passa dentro dele, e dentro de nós mesmos. Rene Dubos disse-o, de uma forma de algum modo poética, quando se referia aos metropolitanos de várias grandes cidades:

All urban areas in prosperous industrialized countries are of course becoming increasingly alike in their superficial aspects. The subways of New York, Montreal, Toronto, London, Paris and Moscow, all operate according to the same technological principles, but their employees and passengers follow the beat of different drums. [2]

O facto de utilizar um exemplo relativo aos meios de transporte não invalida que esse mesmo não se possa aplicar a lugares de culto ou a quaisquer outros locais, as pessoas são diferentes, e assim sendo, diferentes na maneira como se relacionam com as coisas, esta conclusão junta-se também a uma outra que pode ser contraditória: no fundo, nós próprios não temos noção até que ponto somos afectados pelo simbolismo do que nos rodeia, assim sendo, estas associações imediatas são algo que tem de ser tido em conta, quer na construção de um espaço ou, por extensão, na elaboração de um trabalho de comunicação.

Há que pensar que, como pessoas únicas que somos, na execução de um projecto a nossa noção das coisas nunca será objectiva, e como ser teimoso que é o ser-humano, a sua noção da noção que tem das coisas está longe de ser a verdade.

To me, the biggest sin that a designer may commit is to think that people and their lives are equal. Design that fulfills the requirements of functionality must be composed of the reality of human usage, human life, human needs, will and deep, diverse, patient emotions. The design of a product reflects the designers' thoughts of the people. [4]

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[1] JANEIRO, Pedro - Ordens Espaciais do Rito: A noção de cenário nos espaços arquitectónicos dedicados ao culto religioso, Ciclo de Conferências “Casas de Deus, Identidades do Espaço Sagrado” na Faculdade de Arquitectura, 2005.
[2] CHASTAIN, Thomas R. - Forming Place, Informing Practice in Places Journal, Issue 12, Number 3, 1999.
[3] MOURA, Mário - "Mad Men": que imagem? in Sound+Vision (site), 2012
[4] RAMS, Dieter - Entrevista in (www.designtrophy.com), 2001