quinta-feira, 12 de abril de 2012

O Conceito de Espaço e (+).

Todos os rituais humanos pressupõem um cenário. Mais: a ausência de um cenário impossibilita o desempenho desses rituais. [1]

Antes de mais, a barca teria de aportar primeiro neste conceito: espaço. Espaço que nos rodeia e que cumpre as funções para as quais é destinado, ou melhor ainda, nós cumprimos as funções, o espaço apenas está, existe por si. Diferentes fases da nossa vida requerem diferentes espaços, diferentes momentos do nosso dia acontecem em lugares variados. Há um espaço de estar, um espaço de refeição, um espaço onde os diálogos se estabelecem, um espaço para meditar, um espaço para contemplar as pessoas e imaginar as suas vidas. Há espaços que compreendem várias destas acções. O que é que se pode dizer sobre o espaço? O que é que nos diz o espaço sobre si mesmo?

Nas minhas pesquisas em torno de igrejas deparei-me precisamente com a última questão, uma das preocupações da arquitectura é existirem edifícios que pela sua aparência nada nos dizem sobre a sua função, outra das preocupações da actualidade é a construção de locais de culto respeitando o simbolismo a eles inerente, não ofendendo aqueles que o frequentam mas ao mesmo tempo actualizando o espaço para algo que faça sentido inserido no contexto moderno.

Ainda assim, que identidade(s) tem o lugar sagrado? Será que essa identidade é diferente de religião para religião, de lugar para lugar, de época para época? Será que para o judeu - a quem Deus falou primeiro - a identidade da sinagoga é substancialmente diversa da igreja do católico - onde o Filho de Deus mora efectivamente em carne, queremos dizer: vivo? Terá a mesquita do muçulmano - que reconhece o Criador e guarda a fé de Abraão e de Moisés - a mesma identidade da igreja do protestante - que acredita em Cristo mas para quem a Eucaristia é uma metáfora? [1]

Mas o objecto arquitectónico tem mais do que uma dimensão formal, embora seja esta com a qual contactamos primeiro. Como já referido, este vive da utilização que o próprio ser-humano faz dele. Mas se assim o é, porque é que a aparência dá azo a tanta discussão, quando no fundo a espiritualidade parte de cada um de nós? Tal como uma imagem não é somente uma imagem [3], uma forma tem um simbolismo a ela associado, não é apenas uma forma, e esse simbolismo acaba por resumir culturas/cultos/povos, muitas vezes funcionando como uma espécie de estereótipo aprovado.

A place also provides the opportunity to participate in a collective expression as we come to know what it means to be part of a larger territory. There is a connectedness, which we often describe as a sense of place, whose meaning and authenticity flow from relationships between a culture, time and locale. We value the distinctiveness of places that emerge out of such circumstances. [2]

Valorizamos certas formas distintas porque nos identificamos com elas, porque já as reconhecemos de um outro contexto, fazemos associações, mas mesmo assim, a essência do espaço continua a depender das pessoas que o habitam, cada vez mais este está idealizado como uma indústria produtora de “espaços em massa” semelhantes entre si, o que cada um retira deles é uma experiência única, não apenas dependente do sítio mas do que se passa dentro dele, e dentro de nós mesmos. Rene Dubos disse-o, de uma forma de algum modo poética, quando se referia aos metropolitanos de várias grandes cidades:

All urban areas in prosperous industrialized countries are of course becoming increasingly alike in their superficial aspects. The subways of New York, Montreal, Toronto, London, Paris and Moscow, all operate according to the same technological principles, but their employees and passengers follow the beat of different drums. [2]

O facto de utilizar um exemplo relativo aos meios de transporte não invalida que esse mesmo não se possa aplicar a lugares de culto ou a quaisquer outros locais, as pessoas são diferentes, e assim sendo, diferentes na maneira como se relacionam com as coisas, esta conclusão junta-se também a uma outra que pode ser contraditória: no fundo, nós próprios não temos noção até que ponto somos afectados pelo simbolismo do que nos rodeia, assim sendo, estas associações imediatas são algo que tem de ser tido em conta, quer na construção de um espaço ou, por extensão, na elaboração de um trabalho de comunicação.

Há que pensar que, como pessoas únicas que somos, na execução de um projecto a nossa noção das coisas nunca será objectiva, e como ser teimoso que é o ser-humano, a sua noção da noção que tem das coisas está longe de ser a verdade.

To me, the biggest sin that a designer may commit is to think that people and their lives are equal. Design that fulfills the requirements of functionality must be composed of the reality of human usage, human life, human needs, will and deep, diverse, patient emotions. The design of a product reflects the designers' thoughts of the people. [4]

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[1] JANEIRO, Pedro - Ordens Espaciais do Rito: A noção de cenário nos espaços arquitectónicos dedicados ao culto religioso, Ciclo de Conferências “Casas de Deus, Identidades do Espaço Sagrado” na Faculdade de Arquitectura, 2005.
[2] CHASTAIN, Thomas R. - Forming Place, Informing Practice in Places Journal, Issue 12, Number 3, 1999.
[3] MOURA, Mário - "Mad Men": que imagem? in Sound+Vision (site), 2012
[4] RAMS, Dieter - Entrevista in (www.designtrophy.com), 2001

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