sábado, 2 de junho de 2012

Edifício ≠ Espaço

Uma das perguntas que surge em relação à religião é se esta só é praticada a sério quando tem um sítio próprio, uma estrutura e objectos a ela associados que tenham uma espécie de carimbo de aprovação desse próprio culto. Um cristão que nunca tenha ido a uma igreja é menos cristão do que um que o faça frequentemente? Passar-se-à o mesmo com aqueles que não tenham uma cruz algures em casa? Um muçulmano só pode realizar rituais nos sítios apropriados dentro do seu país ou nos templos para ele construídos foram dele?

Um dos grandes problemas com as religiões não é o seu conceito, que na sua essência é algo de bom e genuíno, mas sim a maneira como é depois materializado pelo Homem e algumas regras que de um certo modo se impuseram mas cuja origem é desconhecida.

The missing element in all of these is that, in actual fact, neither the Koran nor Traditions—the sayings of the Prophet— dictates a shape for a mosque or its accompanying structures. Few Muslims would even disagree with the idea that there is no need for a mosque to pray. Scholars have also argued that the minaret was essentially an invention of formal archaism (simply a tower imitating a lighthouse) and that its use in a religious context was almost accidental. [1]

Embora um conceito seja algo abstracto, o que representa é aquilo com que nos estamos a identificar, não é algo físico, mas uma ideologia em que acreditamos, e mais uma vez o que falha é que estamos demasiado apegados à forma e nos esquecemos do que está dentro de cada um de nós, não é preciso adereços, é uma decisão que tomamos, uma escolha que temos de fazer. Se calhar a pergunta que mais sentido faz é se queremos que essa experiência seja individual, familiar ou colectiva, aí sim, entra o espaço comum.

"Common places," architect Gianni Longo has written, "bring people together for the face-to-face contact that is essential for a healthy society." [2] 

Azra Aksamija reforça a elasticidade da religião ao criar novos meio de expressar essa religiosidade sem necessitar da estrutura arquitectónica que lhe costuma estar associada. Ela utiliza também a forma manuseável da roupa para demonstrar, de uma maneira quase primária, que um culto pode dar origem a outro, ou seja, reforça as semelhanças, tal como fez o artista JR ao colar retratos gigantes de palestinianos e israelitas nos muros que separam as duas regiões. O sucesso destas experimentações, segundo a artista, não depende de mais ninguém senão das próprias pessoas que entram em contacto com os seus projectos, elas têm de se distanciar de tudo aquilo que lhes parece ter sido imposto inconscientemente e sentirem-se bem com qualquer que seja a maneira que tenham de prestar a sua devoção.

Morie Nishimura teve também a ideia de aliar praticidade ao culto, criando mobília caseira que possibilita momentos de comunhão familiar ao mesmo tempo que funciona como mobília normal e serve para guardar objectos ou realizar outras actividades.

Estes novos olhares sobre algo tão antigo como a religião reflectem maneiras de pensar inovadoras que se tentam adaptar ao seu tempo e, na maioria das vezes, só com boas intenções. As ideias apresentadas parecem ser passíveis de ser aceites, porque afinal não é só o espaço de culto que tem de evoluir mas também a própria mentalidade que se tem de adaptar ao mundo multicultural e, sobretudo, ao mundo tecnológico.

O Mundo tecnológico foi aquilo que mais veio a impulsionar esta mudança, mas o que tem de mal é que acaba por ser mais uma materialização da essência pura de algo invisível. Tem algo de bom na medida em que a divulgação é assim mais alargada, mas também tem algo de muito degradante pois é um meio impessoal e, como tal, uma máscara da irresponsabilidade. A internet veio a criar o marketing eclesiástico quando esta é uma decisão pessoal que não devia precisar de chamarizes tão corriqueiros e muitos websites, tal como a arquitectura, não reflectem bem o que representam.

O trabalho do designer Lukas Franciszkiewicz, em destaque como referência numa post isolada, debruça-se sobre a transformação da religião no mundo moderno e na nossa dependência dos meios digitais, tentando reproduzir a experiência transcendental com auxilio da tecnologia.

Estabeleço também a analogia de que, no mundo secular, esta acaba por se tornar numa espécie de religião por nos conferir algumas sensações semelhantes, tal como segurança, confiança e, quiçá, um sentimento de pertença através das redes sociais.

É o seu ponto de vista único sobre o assunto e deixo-o aqui a título de curiosidade, deixo também os projectos dos dois artistas anteriormente mencionados, são de valor estas novas maneira de abordar algo que é facilmente susceptível colocar quem ousou pensar fora da caixa na linha de fogo da crítica.

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[1] AVCIOGLU, Nebahat - Identity-as-Form: The Mosque in the West, The University of California, 2007.
[2] BRESSI, Todd W. - Common Places: Anything but Simple, American Institute of Architects Regional and Urban Design Committee, 1997. 

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