quinta-feira, 31 de maio de 2012

Cultura + Forma = Significado

In order to avoid ideological pitfalls we must then pose the pertinent question of form (...) [1]

A forma é poderosa como meio de comunicação no mundo religioso. Nesse contexto, funciona como um símbolo, capaz de sintetizar culturas inteiras. A forma aos olhos do conhecedor permite-lhe identificar a época, a nacionalidade, a história ou o culto. Atrás dela se esconde um conto que remota a um período indefinido no passado, há uma razão de ser. A forma não é simplesmente uma forma. Não é tomada assim, e por isso é um assunto de extrema delicadeza.

Contudo, o facto de às vezes lhe ser conferida "demasiada" importância faz com que muitos arquitectos se aproveitem delas para dar o toque de "identidade cultural" aos seus projectos, uma espécie de via fácil, permitindo-lhes basicamente fazer qualquer coisa desde que depois a "baptizem" com esses elementos chave. Isto veio a ser criticado por muitos, chamando-lhe o filósofo Edward Said "a representação do outro pela sua ‘outridade’", uma forma de discriminação pós-colonial, isto é, a tradução de uma civilização fora do seu contexto através de um elemento considerado paradigma dessa mesma, assim, não é a imagem de um povo que dita a forma, mas a forma que compreende a imagem que temos desse mesmo, um estereótipo. É o que acontece com, por exemplo, as mesquitas construídas no Ocidente, que mantêm a cada novo projecto a sua cúpula e minarete, considerados motivos indissociáveis do povo em questão.

(...) the minaret, together with the dome, has become a structural metonym of Muslim identity that can no longer be read in any other context than the one it predetermines, even though there exist in the Muslim countries both old and new mosques without minarets and domes. 

This overloaded process promoted Islam or Muslimhood in the West as if it were a nationality, with one culture, one language, one identity, one form, and so on. In this abstract and uncritical semiotic operation both the signifier—form—and the signified—identity—are essentially either reduced to empty shells, or on the contrary hardened into ideological 'mythemes' (...) [2] 

Os minaretes em particular são vistos como pertencentes à civilização muçulmana e esta é assim associada a um pobre repertório de formas numa atitude discriminatória disfarçada de cosmopolitismo. Houve até casos extremos em que se optou por construir o minarete em primeiro lugar, ficando assim uma construção incompleta, mas supostamente com "a forma que detinha mais importância". Foi preferível neste caso representar um símbolo em vez de começar por criar um espaço de comunhão. O lado espiritual parece ter sido deixado de lado em detrimento da construção de um monumento ou ícone.

(...) it is clear that most contemporary mosques no longer involve the makings of "a place of worship and collective social activities," but rather (...) they are in the service of "a monument" symbolizing power as culture. 

 (...) modernist architects assimilated the colonial ideology of difference wholeheartedly into their movement by endowing pure abstract forms with the notions of authority and authenticity (Celik 1992, 58-77). Thus, instead of discouraging any attempt at reducing an aesthetic artifact (such as a mosque) to one of its features (such as a minaret) which pushes the association chain all the way to the collective identity (Muslim) that such an artifact is supposed to hypostatize, they have instead endorsed it. [3]

A ideia de que a globalização deu origem a uma hibridização de várias culturas parece ser apelativa, contudo as minorias em terras estrangeiras continuam a ter o seu espaço exclusivo, tornando-as não parte do todo mas sim um núcleo restrito, rodeado de simbolismo que se torna numa barreira enunciadora da propriedade do "outro". Em vez de haver uma tentativa de homogenizar a sua presença, esta é mais assumida, contribuindo para o seu isolamento dentro da sociedade.

Muslims in Europe were usually perceived as transient immigrants, refugees, or negligible ethnic minorities, rather than as part of communities deserving their own places of worship or cultural institutions. [4]

Outro dos problemas com os templos muçulmanos no Ocidente é o facto de, apesar do financiamento vir dos próprios países que estão a ser representados, o arquitecto é na maioria das vezes local, ou seja, alguém que não está dentro da cultura e que vai buscar a sua inspiração não ao original mas ao precendente: trabalhos semelhantes já realizados na sua terra natal, que reproduzem os mesmos erros e estereotipías vezes sem conta, deste modo, nunca há nenhuma evolução e a imagem mantém-se sempre constante e desactualizada.

A construção de um templo "alienígena" dentro de uma civilização com ideologias diferentes parece demonstrar uma atitude positiva de aceitação, mas quando reparamos que não são feitos esforços de compreender e tentar assimilar essa mesma cultura e ela continua a ser considerada como forasteira e segregada pelos habitantes locais os verdadeiros objectivos desta obra de "bondade" são postos em causa.

Não há nenhuma tentativa para fomentar um contacto mais próximo e menos superficial entre as diferentes culturas que habitam uma zona continuando estas a ser ignoradas pela maioria da população. Esta é uma oportunidade de tentar esbater barreiras sociais, algo que devia ser prioridade no código ético de diversas profissões, entre elas o Design e a Arquitectura, pensar um espaço colectivo para ser mais do que isso.

O Alto-Comissário considerou Portugal como "o país mais tolerante da Europa". No entanto, "os portugueses deviam conhecer melhor outras religiões, pela afirmação da diversidade. Seria útil para a comunidade portuguesa conhecer outros credos", sublinhou. Para que tal aconteça, Rui Marques referiu a importância da "educação intercultural nas escolas" e da "sensibilização através dos media", salientando igualmente o "diálogo entre as diferentes religiões que coexistem em Portugal". [5]

Em Lisboa aquilo que acontece não é uma atitude de intolerância mas sim uma ignorância e falta de interesse, estas entidades tem os seus próprios núcleos de actividades e espaços de lazer que proporcionam eventos interessantes para a maioria, para além de agora constituírem obrigatoriamente uma parte da nossa cidade, e por isso é importante que tomemos contacto com eles, não faz sentido passar ao lado desse território, ele é de todos.

One of the virtues of the Saidian turn is to contextualize "otherness" not as a cultural dead-end, burdened by an over-determining sense of identity, but as an opportunity to participate in an open-ended becoming. [6]

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[1] AVCIOGLU, Nebahat - Identity-as-Form: The Mosque in the West, The University of California, 2007.
[2] Idem
[3] Idem
[4] Idem
[5]  
http://www.jn.pt/paginainicial/interior.aspx?content_id=522697
[6] Idem

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